16/07/2020
Nos Evangelhos é dito: “Buscai o Reino de Deus e Sua Justiça”. Porque acrescentar “e Sua Justiça”, uma vez que, em princípio, o Reino de Deus representa a plenitude das qualidades e virtudes.
É uma boa pergunta a que vocês me fazem aqui. Se Jesus especificou: “... e Sua Justiça”, é porque em realidade o Reino de Deus não tem nada a ver com a justiça, do contrário já não seria o Reino de Deus. Este é unicamente um mundo de amor, de generosidade, de bondade. A justiça refere-se ao plano físico, aqui entre os seres humanos. É quando o Reino de Deus, que está no alto, desce à terra, que se precisa da justiça. Na justiça, o amor está excluído. Ela é uma espécie de mercado: você dá uma coisa e tem de receber exatamente o equivalente, nem mais nem menos. Já o amor é uma injustiça: consiste em dar a alguém mais do que merece.
Do amor se pode dizer também que é Graça. O amor de Deus é a graça que o homem não merece e que recebe em vez da justiça que merece. A graça existe no alto e a justiça aqui embaixo. Os seres humanos não instruídos, não iluminados pelo espírito, pelo amor, não estão dispostos a dar mais que o necessário e atuam com justiça. Para esclarecer esta questão, estudemos, por exemplo, as leis que Moisés deu a seu povo. Eram leis implacáveis: olho por olho, dente por dente. A menor falta devia ser castigada, a indulgência e o perdão eram desconhecidos. Isso era normal para o grau de evolução em que a humanidade se encontrava; era preciso começar por aprender o que é a justiça – naquela época, já era um grande progresso. Mas essa situação não podia durar eternamente: Deus é clemente e misericordioso e é necessário que os seres humanos cheguem a ser como Ele, clementes e misericordiosos. Por isso Jesus veio ensinar o perdão. Vejam como ele atuou a respeito da mulher adúltera que os fariseus queriam apedrejar. Com sua atitude Jesus descumpria a lei, mas, violando a lei da justiça, obedecia à lei do amor.
Existe, portanto, outro mundo regido por outras leis, as leis do Céu, onde não há justiça. No Céu ninguém comete crimes; é necessário haver justiça? No Céu só há luz e amor; ora, a justiça somente tem razão de ser nos lugares onde se encontram seres que praticam infrações. Por isso se fala do Reino de Deus e sua Justiça: porque, quando o Reino de Deus vier à terra, nem todas as criaturas se encontrarão no estado de iluminação que permite receber a lei do amor. Ainda que o Reno de Deus desça à terra, não creiam que todos os humanos se transformarão; só os seres de escol, os mais inteligentes, mais evoluídos, os mais sensíveis é que formarão o Reino. Os demais deverão seguir o exemplo deles, que imporão sua autoridade. Portanto, haverá justiça, porque é impossível viver na terra sem leis, não só para castigar, como para guiar, orientar.
Não creiam que, quando chegar o Reino de Deus, todos, sem exceção, vão ser luzes e sóis. Eu sou o primeiro a não achar isso. Para acreditá-lo é preciso nunca haver observado o desenvolvimento da história humana. Assim, pois, mesmo que o Reino de Deus venha à terra, os seres humanos não se tornarão perfeitos assim de repente. É totalmente impossível, é preciso tempo. Primeiro, só uma minoria de seres muito desenvolvidos compreenderá e aceitará a ideia da Fraternidade Branca Universal, do Reino de Deus na terra, da Idade de Ouro. Esses governarão e os demais se verão obrigados a seguir, exatamente como a cauda segue a cabeça. Ser-lhes-á dada a possibilidade de integrar-se a essa minoria que formará o Reino de Deus e, quando virem a nova vida que lhes é proposta, com uma organização social perfeita para todas as criaturas, ninguém objetará. Em tal momento já não se verá o que se vê agora: cada país tentando estabelecer-se independentemente dos outros, cada qual querendo ser o primeiro, o maior, o mais poderoso. Ainda são vítimas desse desejo que será sempre irrealizável. Sim, “Deutschland über alles”... [Alemanha acima de tudo] – já sabem como terminou. Por outro lado, não foram unicamente os alemães que tiveram essa ambição para seu país. A felicidade da humanidade só é possível mediante a união de todas as nações.
Assim, pois, embora o Reino de Deus venha à terra, haverá necessidade de impor uma justiça, mas outra justiça, não a das pessoas ignorantes que fazem leis insensatas.
Para completar o que eu disse no princípio, acrescentarei algumas palavras sobre a justiça e a graça. Consideremos a pirâmide. Em realidade, ela é um cubo coroado por quatro triângulos. Os quatro triângulos estendidos fazem uma cruz, a cruz de Malta. Se você desdobrar o cubo, terá ainda outra cruz. Esta é a cruz da justiça, enquanto a primeira é a da graça. Sim, porque o cubo é símbolo da matéria que aprisiona, ao passo que o triângulo simboliza o espírito que liberta. A pirâmide também representa o homem, que é ao mesmo tempo corpo e espírito. Ora, como se manifesta a graça? Por que não vai para todo o mundo, mas apenas para alguns?
A graça, naturalmente, é uma injustiça e, no entanto, trabalha segundo leis distintas, que escapam à justiça humana. Suponhamos que alguém tenha começado a construir uma casa: depois de algum tempo se dá conta de que lhe falta capital para terminá-la; pede um empréstimo no banco e este – que não é tonto! – investiga para saber se esse homem poderá devolver o dinheiro que lhe for emprestado. Se as informações são boas, ele recebe a soma solicitada. Pois bem, simbolicamente falando, a graça funciona assim. Se ela recai sobre uma pessoa e não sobre outra, isso se deve a que a graça pesquisou e viu que, em outras encarnações, tal pessoa trabalhou bem; no momento está bloqueada, mas, por causa das vidas passadas, recebe reforços, capital. A graça não é estúpida nem cega como imaginamos; é preciso trabalhar durante muito tempo para merecê-la.
Sem aceitar a reencarnação, não se pode compreender nada das leis do destino. Pergunte, por exemplo, a um sacerdote: “Por que tal pessoa está constantemente em desvantagem, só colhe fracassos, enquanto outra sempre tem êxito?”. Em vez de falar: “Deve haver uma razão, porque tudo tem um sentido e um porquê na vida”, ele lhe dirá que é a vontade de Deus. Pois bem, se a vontade de Deus é tão caprichosa, não posso ter confiança Nele. Sim, é grave apresentar Deus dessa maneira, porque temos medo de alguém que não sabemos o que vai fazer nem por que o faz; não nos sentimos seguros. E depois quer-se apresentar o Senhor como um refúgio, um abrigo, um “elevado retiro”! Pois há aí uma grande contradição! Essas explicações tolas minam o terreno da religião e da moral. Pessoalmente, não aceito nada do que escuto ou leio assim sem mais; comparo-o com o que sei das leis da natureza e da forma como Deus criou o mundo.
Por exemplo, quando ouço os clarividentes – e não só eles – anunciarem que, dentro de trinta ou quarenta anos, a humanidade será destruída, que haverá uma terceira guerra mundial, revoluções, cataclismos... Mas se realmente aumentar a luz no mundo – e trabalhamos para isso –, a humanidade escapará da extinção. Os acontecimentos não estão sujeitos a um determinismo absoluto, são suscetíveis de mudança segundo a vida dos seres humanos. Deus não é cruel, não é um carrasco, e não é por gosto que Ele decreta catástrofes diante das quais não se pode fazer nada, já que foram determinadas por Ele. Não, eu não aceito semelhante filosofia, não existe tal determinismo, não existe destino absoluto nem para uma pessoa nem para o mundo inteiro. Os seres humanos foram criados com uma vontade livre e dispõem de seu futuro. Se vivem na desordem e nas loucuras, desencadeiam correntes nocivas, e então, evidentemente, as leis da natureza, que são as leis da justiça, os levam ao desastre; é matemático como dois e dois são quatro. Mas se aprendem a ter juízo, projetam ao redor forças mais harmônicas e, se o equilíbrio da natureza não é perturbado, essas devastações não se produzem.
Também eu posso fazer predições: dentro de trinta anos ocorrerá isso ou aquilo... Posso fazê-lo, não é difícil. Mas não há como prever nada de maneira absoluta, porque os seres humanos podem mudar, podem querer outras coisas. Assim, pois, nenhum profeta pode dizer que os acontecimentos serão definitivamente desta ou daquela maneira. Se o fizer, não é um profeta iluminado. Só há predições absolutas para os animais, para as plantas ou os objetos, assim como para os seres humanos muito tolos, porque esses não podem transformar-se. Mas para os humanos conscientes, inteligentes, não é possível prever nada absoluto, porque podem escapar a essas predições. Se melhorarem sua conduta, têm possibilidades de mudar tudo o que estava decretado.
Essa é a filosofia da Fraternidade Branca Universal, da qual vocês precisam, porque ela os torna conscientes, poderosos, Filhos de Deus, capazes de influir em seu destino.
Foi dito: “Buscai o Reino de Deus e Sua Justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo” [Mateus 6, 33]. O Reino de Deus é um mundo de harmonia, de felicidade, de alegria, e esse mundo não pode existir sobre a terra se não há justiça, porque, embora o Reino de Deus venha à terra, nem todos os seres humanos estarão suficientemente evoluídos para apreciar a graça divina, a abundância divina, e servir-se dela para o bem. Mas a justiça divina não consistirá, como hoje, em punir as pessoas ou encarcerá-las. A sociedade estará organizada de tal forma que isso sequer será necessário. Não direi mais nada por hoje, e evidentemente minhas explicações não são suficientes, mas recolham-se de vez em quando em si mesmos e comecem a ver com seus olhos espirituais como será a vida no futuro... É aí, em seu interior, que encontrarão, que verão o desenrolar dos acontecimentos, porque ninguém na terra pode explicar-lhes como se produzirão.
Com este fim trabalhamos, meus queridos irmãos e irmãs: para aumentar a luz e a consciência dos seres humanos. Infelizmente não tenho ao meu redor muita gente que tenha compreendido o valor do trabalho que realizamos. Há alguns milhares de pessoas que seguem nossos Ensinamentos; inda é muito pouco. Ainda não se percebe que esta ciência pode impedir as calamidades, e me sinto só como em um deserto. Os humanos têm outros projetos, outros desejos, outras ocupações e eu sempre estou sozinho. Se tivesse comigo algumas centenas de milhões de pessoas, as guerras e desgraças se acabariam. Mas os indivíduos não enxergam a importância dessa luz. Entretanto, todos os Iniciados lhes dirão: não é o dinheiro, nem os tanques, nem a bomba atômica ou os foguetes, nem qualquer invento que salvará o mundo, mas a luz, a luz espiritual. É preciso iluminar os seres humanos.
“Buscai o Reino de Deus e Sua Justiça”... Eis uma frase com a qual se deve trabalhar, meus queridos irmãos e irmãs. Há nos Evangelhos outras nas quais vocês devem deter-se – como esta, por exemplo: “Sede perfeitos como vosso Pai Celestial é perfeito”, ou: “Meu Pai trabalha e Eu também trabalho com Ele”. Reflitam sobre isso e cultivem a luz, identifiquem-se com ela para poder dizer um dia: “Eu sou a luz do mundo.... Eu sou a ressurreição e a vida”. Porque isto acontecerá algum dia; assim, pois, é preciso escolher nos Evangelhos as passagens que apresentam o ideal mais sublime a alcançar, e ocupar-se com elas. Alguns optarão por determinados mandamentos: não roubar, não desejar a mulher do próximo..., mas isso não é grande coisa: não roubam, não desejam, mas o que adquirem verdadeiramente no mundo espiritual? É importante aspirar ao Reino de Deus, é necessário ansiar por esse estado de perfeição, porque todas as demais qualidades e virtudes estão plenamente contidas aí. E, almejando-o, é preciso fazer todo o possível para realizá-lo.
Omraam Mikhaël Aïvanhov As Leis da Moral Cósmica Sèvres [França], 11 de novembro de 1964.