01/10/2008
A cidade construída pelos mouros em Granada, sul da Espanha, durante a idade média, foi batizada como La Alhambra, ou A Vermelha, por causa de sua aparência exterior fortificada e sem revestimento. Mas à medida que percorremos os palácios reais a austeridade vai, pouco a pouco, se transformando em delicadeza, integração e estímulo sensorial.
Tudo ali parece programado para interagir entre si e com a sensibilidade do visitante. Paredes revestidas com mosaicos coloridos preparam a visão para a profundidade infinita dos tetos abobadados, esculpidos em madeira ou gesso, com motivos que fazem alusões às esferas celestes ou reproduzem a forma das estalactites.
Os arquitetos aproveitaram a luminosidade meridional, para realçar a beleza da construção e intensificar a experiência dos sentidos. A depender da hora, um detalhe pode ser mais ou menos iluminado, fazendo com que o aspecto das construções mude conforme a posição do sol. Não é à toa que os admiradores da cidade moura têm seus horários preferidos para visitar cada recanto.
A riqueza visual dos palácios conta ainda com mais um artifício: os espelhos d'água. Grandes ou pequenos, internos ou externos, eles fazem da visita uma brincadeira de esconde-esconde, em que é preciso descobrir o ângulo ideal, a cada hora do dia, para ver refletido um fragmento da construção. Algumas imagens revelam-se mais facilmente, como as fachadas do Palácio dos Arrayanes que se refletem diretamente no espelho central do jardim. Mas na sala dos Abencerrajes, por exemplo, localizada no mesmo palácio, é preciso abaixar-se quase até o chão para ver refletidas, na água da fonte interna, as arcadas que rodeiam o pátio do lado de fora.
É a beleza visual de Alhambra que os poetas cantam, mas a cidade moura emite também sons e aromas, além de proporcionar sensações táteis e térmicas. Nos espelhos e fontes, a água está quase sempre ao alcance das mãos. E originalmente havia um pátio com canteiros rebaixados para que os moradores dos palácios pudessem tocar a copa dos arbustos com as pontas dos dedos.
Quem visita os palácios no verão, experimenta uma sensação de frescor proporcionada pelas fontes e árvores frondosas dos pátios, enquanto a temperatura do lado de fora passa dos quarenta graus. O bem estar é complementado pelos variados perfumes de arbustos e flores, especialmente as rosas.
Chama a atenção dos visitantes o jogo de ruídos e silêncios produzido pelas fontes. O som varia em função do número, altura, espessura e posição das saídas de água. Algumas delas têm estrutura especialmente planejada para funcionar sem ruído algum. Segundo os estudiosos de Alhambra, tudo isso obedece a uma lógica secreta, inspirada no conhecimento esotérico do Sufismo, a tradição mística do Islam. Há quem diga, até, que as fontes instaladas ali funcionam como emissores e receptores de energia.
Especulações à parte, o fato é que por meio de ruídos, aromas, reflexos, texturas, relevos, variações de temperatura e os mais diversos tipos de decoração, a cidade construída pelos mouros fala simultaneamente aos cinco sentidos e, para os mais concentrados, atinge, também, a percepção interna.
O jogo de cores, formas, sons e aromas, faz com que seus cômodos e jardins proporcionem ao visitante uma estranha calma e a sensação de haver penetrado em outra esfera do tempo. Uma vivência que integra os sentidos com a percepção mais profunda, e o significado com as sensações.
Cada elemento é capaz de desencadear processos ou desempenhar funções. A oração escrita em gesso na parede pode ser lida ou tocada pelo crente. A laranjeira que proporciona deleite visual e olfativo, também oferece suas folhas para um chá. As mesmas fontes que acalmam o coração com seu ruído, podem aliviar o calor que faz a Andaluzia ferver durante o verão.
Todo esse estímulo sensorial tem seu correspondente interno nos estados especiais que, dizem os entendidos, são proporcionados pelos versos corânicos espalhados por toda parte, pelas proporções harmônicas de salas e pátios e pela linguagem simbólica que permeia a construção.
Esses estados ganham força especial em uma sala subterrânea, localizada atualmente sob o Palácio Carlos V, que os sufis medievais conheciam como tekkia. Construída em forma de octógono e de acordo com as leis da geometria sagrada, essa sala consegue finalmente concretizar o que já vinha se desenhando em todos os recantos da cidade: um convite à meditação.
Sylvia Leite jornalista, interessada no estudo da linguagem, pesquisa os padrões geométricos desde 1995 e em 2007 lançou o livro “O Simbolismo dos Padrões Geométricos da Arte Islâmica”, baseado em sua dissertação de mestrado. sylvia.a.leite@gmail.com